terça-feira, 9 de setembro de 2008

RECURSO ORDINÁRIO Nº 66 -RJ (2008/0042275-3)
RELATOR : MINISTRO FERNANDO GONÇALVES
RECORRENTE : ANTÔNIO APÚLIO AGUIAR COUTINHO E OUTROS
ADVOGADO : LUIZ ROBERTO LEVEN SIANO E OUTRO(S)
RECORRIDO : REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA
EMENTA
DIREITO INTERNACIONAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VÍTIMA DE
ATO DE GUERRA. ESTADO ESTRANGEIRO. IMUNIDADE ABSOLUTA.
1 -A imunidade acta jure imperii é absoluta e não comporta exceção.
Precedentes do STJ e do STF.
2 -Não há infelizmente como submeter a República Federal da Alemanha à
jurisdição nacional para responder a ação de indenização por danos morais e materiais por ato de
império daquele País, consubstanciado em afundamento de barco pesqueiro no litoral de Cabo
Frio -RJ, por um submarino nazista, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial.
3 - Recurso ordinário conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma
do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por
unanimidade, conhecer do recurso ordinário, mas negar-lhe provimento. Os Ministros Aldir
Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Ministro Relator.
Brasília, 15 de abril de 2008. (data de julgamento)
MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator

RECURSO ORDINÁRIO Nº 66 -RJ (2008/0042275-3)
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:
ANTÔNIO APÚLIO AGUIAR COUTINHO, CARLA CRISTINA AGUIAR
RODRIGUES GONÇALVES, CATIA DENISE DOS SANTOS QUEIROS, JOSÉ
MAURÍCIO AGUIAR SANTOS e JOAQUIM JOSÉ DA SILVA ajuizam ação de
indenização por danos morais e materiais contra a REPÚBLICA FEDERAL DA
ALEMANHA pela morte de Apúlio Vieira de Aguiar, avô dos cinco primeiros
autores e sogro do sexto autor, ocorrida em julho de 1943.
Segundo se colhe da inicial, o barco de pesca em que estava a
vítima teria sido afundado por um submarino de guerra alemão (U-199) que
patrulhava a costa brasileira, mais precisamente no litoral de Cabo Frio -RJ. À
época, segundo consta, mais de 20 navios teriam sido torpedeados pelos
alemães, sendo certo que nunca foram encontrados corpos ou restos mortais da
vítima ou das demais pessoas que estavam no barco, mas apenas destroços que
chegaram à praia, com sinais de explosão, levando à conclusão que teria sido
mesmo abatido por um dos vasos de guerra alemães.
Aduzem que o submarino foi abatido pela Marinha de Guerra
brasileira e os sobreviventes (prisioneiros) resgatados e encaminhados aos
Estados Unidos, onde teriam confessado o afundamento do barco de pesca
(Changri-lá) em que se encontrava a vítima.
No ano seguinte, em fevereiro de 1944, pelo Tribunal Marítimo
houve o arquivamento do caso, concluindo pela ausência de provas de que o
Changri-lá fora abatido por submarino de guerra alemão.
Em 31 de julho de 2001, quase seis décadas depois, pelo Tribunal
Marítimo, por provocação da Procuradoria da Marinha, foi reaberto o
processo, após tomar conhecimento de documentos que demonstrariam os
fatos, concluindo, afinal, que o naufrágio do Changri-lá teria mesmo sido
provocado pelo submarino de guerra alemão.
Em primeiro grau de jurisdição, o processo foi extinto, sem
julgamento de mérito, porquanto, em resposta à tentativa de citação da
República Federal da Alemanha, por meio de sua missão diplomática no Brasil,
foi comunicado ao Ministério da Relações Exteriores tratar-se de ato de
império, contra o qual não tem a justiça brasileira nenhuma ingerência (fls.
416/421).
Contra esse édito, manejam os autores apelação, sustentando que
não houve, na espécie, declaração expressa da ré acerca de sua imunidade, que
não pode ser tácita, além do mais, ainda que se aplique a imunidade de
jurisdição, não é ela incidente no caso, pois que os fatos ocorridos no território
do Estado do foro, violam direitos humanos e são os autores pobres não
podendo exercer o direito de ação no estrangeiro.
Os autos foram encaminhados ao TRF da 2ª Região e, em seguida,
remetidos a esta Corte sob a forma de recurso ordinário, em face da regra
expressa do art. 105, II, letra "c" da Constituição Federal (fls. 482/489).
O Ministério Público Federal opina pelo conhecimento e
desprovimento do recurso:
"PROCESSO CIVIL E INTERNACIONAL. AÇÃO ORDINÁRIA VISANDO
RESSARCIMENTO DE DANOS. NAUFRÁGIO DE EMBARCAÇÃO POR
SUBMARINO ALEMÃO, DURANTE A II GUERRA MUNDIAL. ATO DE
IMPÉRIO PRATICADO POR ESTADO ESTRANGEIRO EM TERRITÓRIO
NACIONAL. PRERROGATIVA DE GOZO DE IMUNIDADE DE
JURISDIÇÃO. PARECER PELO CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO
PRESENTE RECURSO. " (fls. 494)
É o relatório.


RECURSO ORDINÁRIO Nº 66 -RJ (2008/0042275-3)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (RELATOR):
O desaparecimento do barco de pesca Changri-lá, segundo acórdão
do Tribunal Marítimo de 11 de fevereiro de 1944, se deu por uma causa não
apurada (fls. 67/69). A embarcação em apreço, desaparecida em julho de
1943, quando pescava no litoral de Cabo Frio -Estado do Rio de Janeiro -foi
avistada -agora já de acordo com o mesmo Tribunal Marítimo, em 31 de julho
de 2001, modificando a decisão anterior (diante das novas provas produzidas e
a partir do desarquivamento dos autos, acolhendo recurso inominado da
Procuradoria Especial da Marinha) pelo submarino alemão U-199 e afundada
mediante ataque de artilharia. Diz este acórdão, verbis :
"...por volta do dia 22 de julho de 1943, o submarino alemão
U-199 patrulhava na superfície, a noite quando avistou, por
bombordo, um vulto de embarcação, que foi identificada pelo
submarino como um veleiro ou um barco que tivesse uma vela à
ré. O Comandante alemão decidiu afundá-lo com tiros de
canhão. Após errar os disparos com o canhão de 37mm. atirou
sete vezes com o canhão de 105mm. tendo os dois últimos
disparos logrado êxito, destruindo a embarcação. O submarino
buscou por sobreviventes durante algum tempo, nada
encontrando. Abandonou, então, a busca, permanecendo na
superfície até o nascer do dia.
Tal ocorrência foi descrita sucintamente no extrato de Relatório
da Marinha Americana, que contém declarações de prisioneiros
alemães pertencentes ao U-199, recolhidos pelo USS BARNEGAT ,
após seu afundamento por um PBY CATALINA da FAB, em 31 de
julho de 1943, no litoral do Rio de Janeiro. Tais prisioneiros
foram os doze sobreviventes do citado afundamento do U-199,
entre os quais incluía-se o comandante. Dadas as modestas
proporções da embarcação, não existe registro formal de tal
afundamento." (fls. 76)
E diz mais:
"Quanto à existência de uma vela de fortuna na popa do B/P
CHANGRI-LÁ , por ocasião do ataque, entende a PEM que tal fato é
perfeitamente possível e explicável. Por exemplo, seria natural,
no caso de algum defeito no único motor diesel de baixa
potência, que usava para sua propulsão, ou por um desejo
natural de economia do combustível, conforme admitido por
marinheiros da época, ou, ainda, como habitualmente usavam
para aumentar a velocidade, uma lona, como vela improvisada
na popa." (fls. 76/77)
E, ao depois, atribuindo integral veracidade do afundamento do
barco pelo submarino alemão U-199, o acórdão narra:
"O U-199 foi detectado pelo radar do operador C.R. Wilson, a
uma distância de 19 milhas. Smith manteve a velocidade e a
altura, 120 nós e 4.000 pés. Mas o submarino só pode ser
avistado quando a distância já era de 15 milhas e positivamente
identificado quando faltavam 10 milhas. O piloto foi descendo e
aumentou a velocidade para 190 nós. Quando faltava uma milha,
ele se manteve a 150 pés e 180 nós, descendo gradualmente até
chegar na altitude ideal para lançar as bombas a 75 pés.
Durante todas as manobras, o submarino sustentou fogo
antiaéreo pesado e constante, de acordo com o relatório de
Smith.
O PBM estava tentando enquadrar o barco com suas bombas, que
receberam um espaçamento entre elas de 65 pés. O avião tinha
oito bombas modelo Mark 47. Smith fez o avião cruzar o U-199
pelo lado esquerdo à frente da torre, a um ângulo de 270°,
largando seis bombas. O piloto fez uma curva para a esquerda e
atacou o submarino de novo ao longo de seu eixo a partir da
proa, num ângulo de 350º, largando as duas bombas que
sobraram.
O metralhador da cauda do avião viu que quatro bombas do
primeiro ataque enquadraram o submarino, com jatos d'água
fortes de ambos os lados. O segundo piloto viu as bombas do
segundo ataque explodirem perto da proa a BB, também
cobrindo o submarino de água.
Mas quando as colunas d'água das bombas desapareceram, os
aviadores americanos puderam ver o U-199 ainda na superfície,
com todos os canhões atirando e mantendo um fogo regular. O
submarino fez alguns círculos antes de adotar o rumo norte, só
se desviando dele para apresentar os canhões ao Mariner
quando este tentava metralhá-lo.
Às 8h40min, o U-199 tentou submergir, mas pareceu perder o
controle e quase afundou, o que deu a impressão que não
poderia submergir. Os sobreviventes disseram depois que o
submarino não era incapaz de submergir, mas, sim, de navegar
submerso e a velocidade na superfície era baixa, já que
provavelmente houve algum dano nas baterias elétricas: o meio
de propulsão debaixo da água.
Enquanto isso, o PBM 74-P-7 tinha transmitido a notícia do
ataque por rádio. A FAB também foi alertada e enviou o avião
A-28 Hudson contra o submarino encurralado, tendo decolado às
8h40min. A sua tripulação era formada pelo 1º piloto Sergio
Cândido Schnoor; o capitão Almir dos Santos Polycarpo, como
2º piloto; o 1º Sargento Nascimento, como mecânico e o 3º
Sargento Medeiros Filho na radiotelegrafia. Assim que viu o
U-199, o Hudson lançou suas bombas sem acertá-lo; no entanto,
o fogo furioso das suas metralhadoras de nariz, precisamente
apontadas, arrasou as guarnições efetivas das armas antiaéreas,
logo substituídas por outras, mas não tão hábeis quanto aquelas.
Ao mesmo tempo, às 8h35min, o avião Catalina que fazia a
patrulha do litoral de Cabo Frio foi comunicado da atividade
inimiga e, após ter plotado a posição, dirigiu-se imediatamente
para cima do U-199. A tripulação do Catalina era formada pelo
piloto Alberto Martins Torres, o oficial brasileiro que mais
empregou o avião como arma de guerra, além de outros oito
militares.
O Catalina logo chegou ao campo de batalha e com todas as
metralhadoras disparando – mesmo fora do alcance para
aumentar o efeito moral do inimigo – atacou a partir do lado
esquerdo do alvo, com um ângulo de 210° em relação a ele. Na
primeira passagem, três cargas de profundidade mark 44 foram
largadas. Elas foram reguladas para uma profundidade de 12
metros, que seria o máximo que o submarino haveria
mergulhado se tivesse iniciado o mergulho, assim seria atingido
de qualquer jeito. Uma das cargas acertou perto e outras duas
caíram aquém do alvo, momento em que o submarino começou a
afundar. Torres imediatamente fez uma curva para a direita para
um novo ataque, lançando, a uma distância de 100 metros, a
última e fatal carga.
O U-199 afundou às 9h02min. O primeiro ataque teve lugar na
posição 23° 54'S, 42° 54'W. O túmulo do submarino está a
algumas milhas dali, em 23° 47'S, 42° 57'W. Dos 61 alemães a
bordo, 49 morreram.” (fls. 103/105)
E prossegue:
"O Mariner e o Catalina jogaram botes de borracha para os
agora náufragos, que foram recolhidos, duas horas depois, pelo
tender de hidroaviões “BARNEGAT ”. Eram 12 – quatro oficiais,
quatro suboficiais e quatro marinheiros e o mais velho era o
comandante Krauss, com 28 anos.
Os prisioneiros foram conduzidos ao Rio de Janeiro e, pela
manhã do dia seguinte, embarcados em avião de transporte para
o Recife, onde havia um campo de prisioneiros e o centro de
interrogatórios, sendo, meses depois, transferidos para os EUA.
Ouvidos pelo Departamento Naval do Chefe de Operações
Navais de Washington, Arquivo do Comando -2ª GG -os
prisioneiros do U-199, além de afirmarem as informações
anteriores, acrescentaram um fato desconhecido das autoridades
brasileiras, qual seja: no dia 22 de julho de 1943, em patrulha
noturna na superfície, o U-199 avistou um barco a vela na sua
ré, quando Kraus decidiu afundar o navio a tiros de canhão,
iniciando a ação, abrindo fogo com a metralhadora de 37mm,
até que o canhão de 105 mm pudesse ser guarnecido, que
disparou sete vezes, das quais apenas os dois últimos tiros
lograram êxito afundando o alvo.
Tais depoimentos foram corroborados por documentos enviados
pelos Adidos Navais do Brasil nos Estados Unidos e na
Alemanha." (fls. 105/106)
Estes são os fatos e esta a real verdade acerca do afundamento do
barco pesqueiro e o trágico desaparecimento de todos os seus tripulantes e
pescadores, cujos herdeiros reclamam alguma reparação do Governo alemão
pela agressão bélica sofrida por uma embarcação brasileira, nas águas
territoriais do Brasil. Mas, infelizmente não são eles favorecidos pelas
circunstâncias. Colhe-se, a propósito do documento de fls. 412, verbis :
"A Embaixada da República Federal da Alemanha cumprimenta
o Ministério das Relações Exteriores da República Federativa
do Brasil e, referente à Nota Verbal DJ/CGPI/61/JUST/BRAS/RFA , de
23 de março de 2007, devolve, por inválidas e ineficazes, as
citações recebidas, referentes às ações de Ressarcimento de
Danos contra a República Federal da Alemanha.
A tentativa de citar esta Missão Diplomática constitui uma
infração ao disposto no artigo 22 da Convenção de Viena sobre
Relações Diplomáticas, de 18.04.1961.
Esta Embaixada comunica, outrossim, que as presentes citações
dizem respeito a uma ação de soberania do Estado alemão. O
Brasil não possui jurisdição sobre os atos de império (acta iure
imperii ) praticados por outros países. O encaminhamento de tais
citações é, portanto, indevido.
Esta Embaixada solicita que o Ministério dê ciência à 28ª Vara
Federal, da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
A Embaixada da República Federal da Alemanha aproveita a
oportunidade para renovar ao Ministério das Relações
Exteriores os protestos de sua mais elevada consideração." (fls.
412)
Como se vê, a República Federal da Alemanha, por sua
representação diplomática no Brasil, reafirma, de modo expresso, a sua
imunidade à jurisdição nacional, como Estado Soberano que é, não podendo,
por isso mesmo, responder à presente demanda, pois o ato praticado foi uma
ação militar em período de guerra, ato, portanto, de império que não se
submete ao Poder Judiciário Nacional.
É percuciente a lição de J. F. Rezek, in Direito Internacional
Público Curso Elementar, 6ª ed, São Paulo: saraiva, 1996, pág. 180:
"....a Justiça local é competente pra conhecer da demanda contra
o Estado estrangeiro, sem que este possa argüir imunidade,
justamente naqueles casos em que o direito substantivo local é
aplicável. Tal o caso da reclamação trabalhista deduzida por
aquele que a embaixada recrutou in loco (não importando sua
nacionalidade, que pode ser até mesmo a do Estado
empregador), ou da cobrança do preço da empreitada, dos
serviços médicos, do aluguel em atraso, da indenização pelo
infortúnio no trânsito.
A imunidade tende a reduzir-se, desse modo, ao mais estrito
sentido dos acta jure imperii , a um domínio regido pelo direito
das gentes...."
A imunidade acta jure imperii é absoluta e não comporta exceção
à guisa da pobreza dos autores ou porque os fatos ocorreram no território
nacional ou ainda porque se trata de direitos humanos. O respeito à soberania
do Estado estrangeiro é um preceito maior e anterior a essas questões. Curvar
um Estado à soberania de um outro só por renúncia, por guerra ou por acordo
ou tratado bilateral.
Nem se diga que há, na espécie, revelia, porquanto "o diplomata
representa o Estado de origem junto à soberania local e para trato bilateral
dos assuntos de Estado" (obra citada pág. 170), sendo certo que o documento
transcrito é bastante para expressar e reafirmar a soberania do Estado
estrangeiro in casu.
A respeito do assunto, há manifestação desta Corte:
"RECURSO ESPECIAL. ESTADO ESTRANGEIRO. IMUNIDADE DE
JURISDIÇÃO.INDENIZAÇÃO. REGIME NAZISTA. ATO DE IMPÉRIO.
-Alimentos concedidos pela República Federativa da Alemanha,
a título de indenização por danos causados pelo regime Nazista.
Tal pensão resulta de ato de império.
-Ato de império de Estado Estrangeiro é imune à Justiça
Brasileira.
-Recurso improvido." (REsp 436711/ RS, Rel. Ministro
HUMBERTO GOMES DE BARROS, Terceira Turma, julgado em
25.04.2006, DJ 22.05.2006, p. 191)
"DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO -IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
DO ESTADO ESTRANGEIRO -EVOLUÇÃO DA IMUNIDADE ABSOLUTA
PARA A IMUNIDADE RELATIVA -ATOS DE GESTÃO -AQUISIÇÃO E
UTILIZAÇÃO DE IMÓVEL -IMPOSTOS E TAXAS COBRADAS EM
DECORRÊNCIA DE SERVIÇOS PRESTADOS PELO ESTADO
ACREDITANTE.
Agindo o agente diplomático como órgão representante do
Estado Estrangeiro, a responsabilidade é deste e não do
diplomata.
A imunidade absoluta de jurisdição do Estado Estrangeiro só foi
admitida até o século passado.
Modernamente se tem reconhecido a imunidade ao Estado
Estrangeiro nos atos de império, submetendo-se à jurisdição
estrangeira quando pratica atos de gestão.
O Estado pratica ato "jure gestiones" quando adquire bens
imóveis ou móveis.
O Egrégio Supremo Tribunal Federal, mudando de
entendimento, passou a sustentar a imunidade relativa.
Também o Colendo Superior Tribunal de Justiça afasta a
imunidade absoluta, adotando a imunidade relativa do Estado
Estrangeiro.
Não se pode alegar imunidade absoluta de soberania para não
pagar impostos e taxas cobrados em decorrência de serviços
específicos prestados ao Estado Estrangeiro." Recurso provido."
(RO 6/RJ, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, Primeira Turma , julgado
em 23.03.1999, DJ 10.05.1999, p. 103)
Assim também o Supremo Tribunal Federal:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO -ESTADO ESTRANGEIRO -RECLAMAÇÃO
TRABALHISTA AJUIZADA POR EMPREGADOS DE EMBAIXADA -
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO -CARÁTER RELATIVO -
RECONHECIMENTO DA JURISDIÇÃO DOMÉSTICA DOS JUÍZES E
TRIBUNAIS BRASILEIROS -AGRAVO IMPROVIDO. IMUNIDADE DE
JURISDIÇÃO. CONTROVÉRSIA DE NATUREZA TRABALHISTA.
COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS.
-A imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, quando se
tratar de litígios trabalhistas, revestir-se-á de caráter meramente
relativo e, em conseqüência, não impedirá que os juízes e
Tribunais brasileiros conheçam de tais controvérsias e sobre
elas exerçam o poder jurisdicional que lhes é inerente.

ATUAÇÃO DO ESTADO ESTRANGEIRO EM MATÉRIA DE ORDEM
PRIVADA. INCIDÊNCIA DA TEORIA DA IMUNIDADE JURISDICIONAL
RELATIVA OU LIMITADA .

-O novo quadro normativo que se delineou no plano do direito
internacional, e também no âmbito do direito comparado,
permitiu -ante a realidade do sistema de direito positivo dele
emergente -que se construísse a teoria da imunidade
jurisdicional relativa dos Estados soberanos, tendo-se presente,
para esse específico efeito, a natureza do ato motivador da
instauração da causa em juízo, de tal modo que deixa de
prevalecer, ainda que excepcionalmente, a prerrogativa
institucional da imunidade de jurisdição, sempre que o Estado
estrangeiro, atuando em matéria de ordem estritamente privada,
intervier em domínio estranho àquele em que se praticam os atos
jure imperii . Doutrina. Legislação comparada. Precedente do
STF. A teoria da imunidade limitada ou restrita objetiva
institucionalizar solução jurídica que concilie o postulado
básico da imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro com a
necessidade de fazer prevalecer, por decisão do Tribunal do
foro, o legítimo direito do particular ao ressarcimento dos
prejuízos que venha a sofrer em decorrência de comportamento
imputável a agentes diplomáticos, que, agindo ilicitamente,
tenham atuado more privatorum em nome do País que
representam perante o Estado acreditado (o Brasil, no caso).
Não se revela viável impor aos súditos brasileiros, ou a pessoas
com domicílio no território nacional, o ônus de litigarem, em
torno de questões meramente laborais, mercantis, empresariais
ou civis, perante tribunais alienígenas, desde que o fato gerador
da controvérsia judicial -necessariamente estranho ao
específico domínio dos acta jure imperii -tenha decorrido da
estrita atuação more privatorum do Estado estrangeiro.

OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E A DOUTRINA DA IMUNIDADE DE
JURISDIÇÃO RELATIVA OU LIMITADA.

Os Estados Unidos da América -parte ora agravante -já
repudiaram a teoria clássica da imunidade absoluta naquelas
questões em que o Estado estrangeiro intervém em domínio
essencialmente privado. Os Estados Unidos da América -
abandonando a posição dogmática que se refletia na doutrina
consagrada por sua Corte Suprema em Schooner Exchang v.
McFaddon (1812) -fizeram prevalecer, já no início da década de
1950, em típica declaração unilateral de caráter diplomático, e
com fundamento nas premissas expostas na Tate Letter, a
conclusão de que "tal imunidade, em certos tipos de caso, não
deverá continuar sendo concedida". O Congresso americano, em
tempos mais recentes, institucionalizou essa orientação que
consagra a tese da imunidade relativa de jurisdição, fazendo-a
prevalecer, no que concerne a questões de índole meramente
privada, no Foreign Sovereign Immunities Act (1976).
DESISTÊNCIA DO RECURSO. NECESSIDADE DE PODER ESPECIAL.
Não se revela lícito homologar qualquer pedido de desistência,
inclusive o concernente a recurso já interposto, se o Advogado
não dispõe, para tanto, de poderes especiais (CPC, art. 38).
AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A jurisprudência dos Tribunais e o magistério da doutrina,
pronunciando-se sobre a ausência de manifestação do Ministério
Público nos processos em que se revela obrigatória a sua
intervenção, tem sempre ressaltado que, em tal situação, o que
verdadeiramente constitui causa de nulidade processual não é a
falta de efetiva atuação do Parquet , que eventualmente deixe de
emitir parecer no processo, mas, isso sim, a falta de intimação
que inviabilize a participação do Ministério Público na causa
em julgamento. Hipótese inocorrente na espécie, pois ensejou-se
a Procuradoria-Geral da República a possibilidade de opinar no
processo." (AgRg no Ag 139671-8/ DF, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, DJ de 29.03.96)
Ante o exposto, conheço do recurso, mas lhe nego provimento.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2008/0042275-3 RO 66 / RJ
Número Origem: 200651010003137
PAUTA: 15/04/2008 JULGADO: 15/04/2008
Relator
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS
Secretária
Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ANTÔNIO APÚLIO AGUIAR COUTINHO E OUTROS
ADVOGADO
RECORRIDO
: LUIZ ROBERTO LEVEN SIANO E OUTRO(S)
: REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA
ASSUNTO: Civil - Responsabilidade Civil - Indenização -Ato Ilícito -Dano Material c/c Moral
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso ordinário, mas negou-lhe provimento,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília, 15 de abril de 2008
CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
Secretária
Documento: 772562 -Inteiro Teor do Acórdão -Site certificado -DJe: 19/05/2008

RECURSO ORDINÁRIO Nº 66 -RJ (2008/0042275-3)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr.
Presidente, o entendimento desta 4ª Turma em alguns precedentes é no sentido de que, nos
casos de ato de império, como o que aqui se dá, porquanto se trata de uma ação de
indenização por ato praticado por país estrangeiro durante a guerra, ele não está submetido,
em tese, à soberania nacional, salvo se, voluntariamente, assim se manifestar. E essa
manifestação tem que ser feita previamente à citação, porquanto a citação já importaria em
submissão do país estrangeiro à nossa jurisdição, o que não é possível.
No comum dos casos e no precedente julgado pelo Sr. Ministro Jorge
Scartezzini contra os Estados Unidos da América, e também no precedente de que fui Relator
contra a República de Portugal, ainda não havia sido feita a intimação e o eminente juiz de
Primeiro Grau já extinguira o processo. Naqueles casos, o entendimento da 4ª Turma foi no
sentido de que deveria haver a mera intimação prévia do país estrangeiro para que se
manifestasse, se voluntariamente desejava ou não se submeter à soberania nacional, razão pela
qual, naqueles casos, foi afastada a extinção do processo, temporariamente, a depender
daquela diligência.
No caso dos autos, entretanto, o eminente Relator já destaca que a
República Federal da Alemanha já se manifestou no sentido de entender que é ato de
soberania, o que de fato é, e que não deseja se submeter à jurisdição brasileira. Então,
desnecessária seria qualquer outra diligência nesse sentido e cabível, efetivamente, de logo, a
extinção da ação, como o fez o Tribunal a quo, agora chancelada pelo judicioso voto do
ilustre Relator, o qual acompanho.
Conheço do recurso ordinário, mas nego-lhe provimento.
Documento: 772562 -Inteiro Teor do Acórdão -Site certificado -DJe: 19/05/2008 Página 14de

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