terça-feira, 9 de setembro de 2008

RECURSO ESPECIAL Nº 535.646 -RJ (2003/0049909-4)
RELATOR : MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
RECORRENTE : FRANCISCO FERREIRO GERPE -ESPÓLIO
ADVOGADO : ANNALICE MEDEIROS AGUIAR E OUTRO
RECORRIDO : MARIA ELENA NOVO BLANCO
ADVOGADO : JESUS QUINTANS NOVO E OUTRO

EMENTA

Partilha de bens. Separação decretada na Espanha. Competência da
Justiça brasileira para decidir a partilha de bens imóveis localizados
no país. Ausência de necessidade de homologação de sentença
estrangeira sobre o estado das pessoas. Art. 15, parágrafo único, da
Lei de Introdução ao Código Civil.
1. Havendo nos autos, confirmado pelo acórdão, partilha de bens
realizada em decorrência da separação, impõe-se o processo de
homologação no Brasil, aplicando-se o art. 89, II, do Código de Processo
Civil apenas em casos de partilha por sucessão causa mortis.
2. Não há necessidade de homologação de sentenças meramente
declaratórias do estado das pessoas (art. 15, parágrafo único, da Lei de
Introdução ao Código Civil).
3. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho e Ari Pargendler
votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Humberto
Gomes de Barros.
Brasília (DF), 8 de novembro de 2005 (data do julgamento).

MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
Relator


RECURSO ESPECIAL Nº 535.646 -RJ (2003/0049909-4)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
Espólio de Francisco Ferreiro Gerpe interpõe recurso especial com
fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão da Décima
Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim
ementado:
"AÇÃO DECLARATÓRIA.
IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ.
NULIDADE DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA.
DIREITO À MEAÇÃO. CASAL DE ESTRANGEIROS.
SEPARAÇÃO NO EXTERIOR. HOMOLOGAÇÃO DA
PARTILHA. IMPOSSIBILIDADE.
Não se vincula ao processo, em razão do princípio da
identidade física, o Juiz que, embora tenha presidido a audiência, não
colheu provas.
Não se admite, em território nacional, a execução de
sentença estrangeira que fira a norma do art. 89, do Código de Processo
Civil.
Sentença confirmada" (fl. 349).
Opostos embargos de declaração (fls. 354/355), foram rejeitados (fls. 358
a 359).
Sustenta o recorrente contrariedade ao artigo 15, inciso II, da Lei de
Introdução ao Código Civil e 483 do Código de Processo Civil, aduzindo que devem ser
a sentença do divórcio e a respectiva partilha homologadas pelo Supremo Tribunal
Federal.
Alega que a exegese do artigo 89, inciso II, do Código de Processo Civil,
se refere à sucessão causa mortis e não ao procedimento de divórcio e da respectiva
partilha de bens.
Aponta dissídio jurisprudencial, trazendo à colação julgados, também,
desta Corte.
Contra-arrazoado (fls. 377 a 381), o recurso especial (fls. 362 a 369) foi
admitido (fls. 388/389).
Opina o Dr. Eduardo Antônio Dantas Nobre, Subprocurador-Geral da República, pelo não-provimento do recurso especial (fls. 394 a 396).
É o relatório.


RECURSO ESPECIAL Nº 535.646 -RJ (2003/0049909-4)
EMENTA
Partilha de bens. Separação decretada na Espanha. Competência da
Justiça brasileira para decidir a partilha de bens imóveis localizados
no país. Ausência de necessidade de homologação de sentença
estrangeira sobre o estado das pessoas. Art. 15, parágrafo único, da
Lei de Introdução ao Código Civil.
1. Havendo nos autos, confirmado pelo acórdão, partilha de bens
realizada em decorrência da separação, impõe-se o processo de
homologação no Brasil, aplicando-se o art. 89, II, do Código de Processo
Civil apenas em casos de partilha por sucessão causa mortis.
2. Não há necessidade de homologação de sentenças meramente
declaratórias do estado das pessoas (art. 15, parágrafo único, da Lei de
Introdução ao Código Civil).
3. Recurso especial conhecido e provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
A recorrida ajuizou ação declaratória alegando que casou na Espanha
com o finado Francisco Ferreiro Gerpe em 25/11/43 pelo regime da comunhão parcial,
sendo decretada a separação em 1º/8/73; que, na constância do casamento, o casal
adquiriu bens, sem que houvesse a partilha quando da separação; que o varão faleceu
em 15/1/97; que o pedido feito para habilitar-se no inventário foi negado, porque estava
já separada; que não há dúvida de que tem direito a 50% dos bens adquiridos durante o
casamento.

A sentença julgou procedente o pedido ao fundamento de que provado
nos autos, sem impugnação, que a autora estava casada com o falecido sob o regime
legal da comunhão parcial, sendo impertinente exigir-se a prova de que contribuiu para a
formação do patrimônio comum.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a sentença. Primeiro, afastou a questão da nulidade em decorrência do princípio da identidade física do Juiz, porque o entendimento pacificado é no sentido de que “não se vincula ao processo o
Juiz que, embora tenha presidido a audiência, não colheu provas, justamente como
aconteceu na espécie” (fl. 350). Em seguida, considerou que “a circunstância do
divórcio do casal ter sido feito na Espanha, ocasião em que se fez a partilha dos bens,
inclusive daqueles existentes no Brasil, não tem qualquer importância ou influência para
o desfecho da presente demanda. Aliás, não custa afirmar, só teria, se o nosso diploma
processual não tivesse norma de competência exclusiva, reservando à justiça
brasileira para conhecer ações relativas a imóveis situados no Brasil e, também, para
proceder inventário e partilha de bens aqui situados (art. 89, I e II, do C.P.C.)” (fl. 351).
Assim alicerçado, afastou o argumento de que teria de ser feita homologação da partilha
realizada perante a Justiça espanhola. Advertiu, por fim, que não se admite a execução
de sentença estrangeira que fira norma do art. 89 do Código de Processo Civil.
Os embargos de declaração do espólio recorrente foram rejeitados.
Para demonstrar o cabimento do especial, o espólio recorrente traz
ementa de julgado desta Terceira Turma, sem maiores esclarecimentos, sequer
fazendo a devida demonstração analítica. Em seguida, reproduz trecho de obra
doutrinária contendo precedente do Supremo Tribunal Federal sobre homologação de
sentença estrangeira. Finalmente, indica que a exegese do art. 89, II, do Código de
Processo Civil é sobre sua aplicação nos casos de sucessão causa mortis.
Pelo dissídio, não há como dar guarida ao especial, à míngua dos
requisitos que o autorizam.
Vejamos, então, pela letra "a".

O que chama atenção neste feito é a circunstância de ter havido anterior
pedido de habilitação. De fato, a decisão anterior que indeferiu o pedido de habilitação
deixou muito claro que “a sentença que decretou a separação do casal, na Espanha,
não necessita de ser previamente homologada pelo Supremo Tribunal Federal para
produzir efeitos no Brasil” (fl. 27), considerando que o art. 15, parágrafo único, da Lei de
Introdução dispõe que “não dependem de homologação as sentenças meramente
declaratórias do estado das pessoas” (fl. 28). Concluiu o Juiz que a sentença espanhola
“não foi proferida para ser executada no Brasil, motivo pelo qual não precisa de prévia
homologação” (fl. 28).

No caso, concretamente, o que se está fazendo é reconhecer, para o que não há necessidade de homologação, que a autora estava, de fato, separada do de
cujus e que pretende ver reconhecido seu direito à partilha dos bens adquiridos durante
a constância do casamento, localizados no Brasil.

Na verdade, o que se pode extrair dos autos é que foi decretada a
separação na Espanha e que essa separação dispensa homologação no Brasil. O
acórdão assinalou que "a circunstância do divórcio do casal ter sido feito na Espanha,
ocasião em que se fez a partilha dos bens, inclusive daqueles existentes no Brasil, não
tem qualquer importância ou influência para o desfecho da presente demanda" (fl. 351).
Com efeito, nos autos há um documento em que se dá notícia de uma
partilha de bens como "trâmite prévio para a execução de sentença de separação
conjugal ditada pelo Tribunal Eclesiástico do Arcebispado de Santiago de Compostela"
(fl. 94), destacada ao final que "transcorrido o prazo previsto no art. 1.079 da Lei de
Julgamento Cível, sem se haver formulado impugnação nem oposição às operações de
liquidação da sociedade de bens aqüestos dos litigantes neste processo de execução
de sentença eclesiástica, realizadas pelo único Contador nomeado Sr. Manuel Rieiro
Alvite, procede sua aprovação, mandando sua protocolização conforme o art. 1.081 da
mesma Lei" (fl. 104v).
Na petição de fls. 111 a 114, a mulher afirma que o documento da partilha
não pode produzir nenhum efeito, seja porque não foi registrado seja porque não foi
homologada a partilha pelo Supremo Tribunal Federal. Ora, tal equivale a afirmar que,
de fato, partilha houve e se partilha houve, impõe-se considerá-la, o que depende de
homologação já hoje pelo Superior Tribunal de Justiça.
Veja-se que o art. 89, II, do Código de Processo Civil alcança apenas
aquelas partilhas decorrentes de sucessão hereditária. É certo que há precedentes
antigos do Supremo Tribunal Federal entendendo que se aplica o dispositivo também
em casos de partilha oriunda da separação (SE nº 2.446/Paraguai, Relator o Ministro
Antônio Neder, DJ de 17/12/79; SE nº 2.709/Estados Unidos da América do Norte,
Relator o Ministro Antônio Neder, DJ de 22/8/80). Mais recentemente, porém, o Pleno
do Supremo Tribunal Federal passou a considerar homologável a sentença de partilha
de bens em casos de separação, considerando não ofendido o art. 89 do Código de
Processo Civil, na linha de interpretação restrita no sentido de que alcança apenas a
partilha em virtude da sucessão causa mortis (SE nº 3.408/Estados Unidos da América
do Norte, Relator o Ministro Rafael Mayer, DJ de 31/10/85; SEC nº 4.512/Confederação
Helvética, Relator o Ministro Paulo Brossard, DJ de 2/12/94). Essa orientação está
explicitada por Celso Agrícola Barbi quando menciona que a "disposição legal não se
limita ao inventário, mas também à partilha. Essa, quando houver mais de um herdeiro,
terá também de ser aqui procedida" (Comentários, Forense, 10ª ed., 1998, pág. 299).
Com essas razões, conheço do especial e lhe dou provimento para julgar
improcedente o pedido formulado nesta ação, invertidos os ônus da sucumbência.


TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2003/0049909-4 REsp 535646 / RJ
Números Origem: 200100127485 200213506962 274852001
PAUTA: 21/06/2005 JULGADO: 08/11/2005
Relator
Exmo. Sr. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
Presidenta da Sessão
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO
Secretário
Bel. MARCELO FREITAS DIAS
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FRANCISCO FERREIRO GERPE -ESPÓLIO
ADVOGADO : ANNALICE MEDEIROS AGUIAR E OUTRO
RECORRIDO : MARIA ELENA NOVO BLANCO
ADVOGADO : JESUS QUINTANS NOVO E OUTRO
ASSUNTO: Civil - Sucessão -Inventário -Partilha
CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho e
Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Brasília, 08 de novembro de 2005

MARCELO FREITAS DIAS
Secretário

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