terça-feira, 9 de setembro de 2008

AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL.
JURISDIÇÃO CONCORRENTE. FORO DE ELEIÇÃO. ILÍCITO
CONTRATUAL.

O foro local não é o competente, eis que o contrato firmou a
competência do Uruguai para eventual demanda, que ora se
processa. Não há como se relativizar a competência do foro, eis
que os agravados não são hipossuficientes – são autores de
outras ações do porte que corre em primeiro grau -, podendo se
deslocarem ao foro do Uruguai para se defenderem na demanda
que ajuizaram contra o agravante.

AGRAVO PROVIDO.

AGRAVO DE INSTRUMENTO DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL
Nº 70005228440 PORTO ALEGRE
BANKBOSTON N A SUCURSAL URUGUAI E
FEDERAL STREET INVESTIMENTOS S/A, AGRAVANTES;
NED SMITH JUNIOR E
DYRFORD INVESTMENT S/A, AGRAVADOS;
BANK BOSTON BANCO MÚLTIPLO S A,
ERNESTO CORREA DA SILVA FILHO,
CETRO CORRETORA DE TÍTULOS E VALORES
MOBILIÁRIOS LTDA E
PRODESENHO PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS LTDA., INTERESSADOS.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores
Desembargadores GUINTHER SPODE, Presidente/Revisor e MÁRIO JOSÉ GOMES
PEREIRA.
Porto Alegre, 08 de abril de 2003.
DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA,
Relator.

RELATÓRIO

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (RELATOR) – Trata-se de Agravo de
Instrumento interposto por BANKBOSTON N A SUCURSAL URUGUAI E FEDERAM
STREET INVESTIMENTOS S/A, em face da decisão que julgou improcedente a exceção
de incompetência que propôs contra NED SMITH JÚNIOR E DYRFORD INVESTIMENT
S/A. Alega que os ora agravantes entraram com Ação de Indenização contra o Banco de
Boston genericamente, sem fazer distinção entre o ora agravante e o BankBoston Banco
Múltiplo S/A, que são pessoas jurídicas distintas, dotadas, cada uma, de personalidade
jurídica própria, não possuindo uma ingerência na outra. Aduz que o contrato foi firmado
com ora agravante, elegendo como foro de eleição o Uruguai. Sustenta que a exceção de
incompetência que argüiu não poderia ter sido decidida como a Exceção de n.º 10568462,
que foi proposta pelo interessado Bankboston. Postula a concessão do efeito suspensivo
ao recurso e, ao final, o provimento do mesmo, para que seja declarada a incompetência
da Justiça Brasileira para conhecer e julgar a Ação Ordinária de Indenização ajuizada
pelos ora agravados, estabelecendo-se, por via de conseqüência, como competente o
foro contratual livremente eleito pelas partes, qual seja, a Justiça Uruguaia.
Foi deferido o efeito suspensivo.

Em resposta, alegou NED SMITH JÚNIOR e DYRFORD INVESTMENT S.A,
preliminarmente, em apertada síntese, que a 2ª Câmara Especial Cível está preventa
para o julgamento do agravo, pois já discutiu a matéria, quando ventilada em agravo
anterior.

Quanto ao mérito, alegou que a competência para o julgamento da causa é
brasileira, pois o Banco de Boston uruguaio é uma filial da matriz, que se encontra nos
Estados Unidos da América, assim como o Banco brasileiro também é uma filial do
poderoso grupo econômico. Desta forma a empresa que se beneficia de marca
mundialmente conhecida tem o dever de responder por meio de sua filial pelos atos
ilícitos praticados pela sua congênere não podendo a causadora do ilícito se beneficiar da
distinção da personalidade jurídica para se esquivar de sua obrigação. Destacou que com
escopo no art. 88, I, III e § único do CPC o banco tem que responder sob a jurisdição
brasileira.
Alega que o banco demandado deve compor a lide como litisconsórcio
passivo.
Destaca que a cláusula de eleição do foro deve ser declarada ineficaz, pois
a competência do juiz brasileiro para apreciar a causa não pode ser afastada pela
vontade das partes.

Por fim, propugnou que fosse declinada a competência para a 2ª Câmara
Especial Cível e, ou, fosse negado provimento ao recurso.
O feito foi levado para julgamento, sendo que em sessão de 26.11.2002,
após este relator ter votado pelo provimento do agravo, em regime de discussão foi
adiado o mesmo. Em seguimento, no dia 3.12.2002, a Câmara determinou diligências, a
fim de que o Banco Central verificasse o confinamento ou não da operação realizada
entre as partes, no Brasil.

Oficiou o Banco Central dizendo que não tem interesse no feito, bem como
informando que “não conseguiu identificar, em seu banco de dados que contém
informações sobre saídas e ingressos de recursos de/para o País, seja em moeda
nacional ou estrangeira, quais dos registros ali encontrados podem ter como origem as
operações descritas pelos autores da ação de indenização. De qualquer forma, continuam
sendo efetuadas diligências nesse sentido, bem como para identificar possíveis
irregularidades na esfera cambial envolvendo as citadas operações” (fl. 212).
É o sucinto relatório.

VOTO

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (RELATOR)

– Tenho que deva ser dado
provimento ao agravo, conforme já me manifestara por ocasião do início do julgamento:
“A causa posta em discussão é quanto à competência em razão do lugar
para o julgamento da presente ação, face contrato assinado por parte brasileira com parte
uruguaia, onde existia cláusula de eleição de Foro.

O contrato em tela é um contrato internacional, conforme convencionado
pela Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos contratos internacionais –
México – 1994, cujo Brasil é signatário1, onde está previsto que: “Artigo 1 – Entende-se
que um contrato é internacional quando as partes no mesmo tiverem sua residência
habitual ou estabelecimento sediado em diferentes Estados Partes ou quando o contrato
tiver vinculação objetiva com mais de um Estado parte”. Assim, as normas pertinentes à
aplicação no caso concreto estão inseridas no artgs. 9º e 12 da LICC e artgs. 88/90 do
Código de Processo Civil, bem como convenções e tratados cujo Brasil é signatário.
“Antes de adentrar-se no mérito, urge a necessidade de afastar-se a
competência da 2ª Câmara Especial Cível para o julgamento da causa, posto que a
mesma tem somente competência para julgamento quando da distribuição nas férias
regulares desta casa, pois terminados os recessos de julho ou janeiro a competência para
julgamento é das Câmaras regulares, rompendo com qualquer vinculação existente.
Desta forma desacolho a preliminar de incompetência.
“Quanto ao mérito, após longo pensamento, tenho que a competência para o
julgamento da causa é do Uruguai, pois no contrato firmado pelas partes existe foro de
eleição.

“Diferente do que possa parecer, as partes agravadas, NED SMITH JÚNIOR
e DYRFORD INVESTMENT S.A, não são hipossuficientes frente ao banco, já que Ned
Smith é o responsável pela empresa Dyrford, conhecendo os meandros dos mercados,
devendo não ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor a causa por esta razão e,
também, porque a parte não era consumidor final do serviço contratado, já que, conforme
dito na p. 166, o agravado concentrou seus investimento e de terceiros que tinha
responsabilidade no banco, claramente demonstrando que não era o consumidor final
do serviço prestado.

“Afastada a aplicação do CDC, norma que permitiria a relativização da
cláusula de eleição do foro, tenho que não se aplica o art. 88, I e III e § único do CPC à
espécie, pois o foro de eleição é válido.

“A obrigação foi contraída por pessoa maior e capaz, não sendo
demonstrado qualquer vício de consentimento que pudesse macular o clausulado. Desta
forma, conforme art. 9º da LICC, tenho que para qualificar e reger a obrigação contratada
deve-se a lei do país onde se constituiu a obrigação. Caso não houvesse foro clausulado,
entendo que aí prevaleceria o art. 88, I e III e § único do CPC, mas como se trata de
direito disponível, entendo que não é possível manter a competência em território Pátrio,
sob pena de causar uma instabilidade jurídica. Aliás, nesta senda, já explicitou Caio Mário
em sua obra Lesão nos Contratos, 4ª ed. p. 110, que: “Ter-se-á assim, sob o pretexto de
resguardar a regra moral, e restabelecer a justiça no contrato, um resultado que na
essência é divorciado da mesma regra moral e atentatória da mesma justiça.
“Uma vez que o direito forneça o meio de faltar o contratante à fé jurada, e
venha em abono da atitude assumida pela parte inadimplente, é todo o comércio jurídico
que sofre, é a insegurança que se institui como norma, é a infidelidade protegida pela lei
que abala e ameaça todo o edifício do direito obrigacional, lançando o germe da
desconfiança e do receio nos meandros da vida econômica.
“Se o pretexto de fazer justiça é que leva à própria injustiça e se é o direito
que consagra a quebra da fidelidade sob color de afinar-se com a regra moral, no fundo
que se desprestigia é a justiça e quem se desvaloriza é o direito.”
“A cláusula de eleição de foro, no direito pátrio, encontra-se em pleno vigor,
eis por que o art. 111 do CPC preconiza a faculdade das partes de disporem da
competência territorial para a solução de suas lides.
“Assim também está cristalizado na súmula 355 do Supremo Tribunal
Federal que preceitua:
“É válida a clausula de eleição de foro para os processos oriundos do
contrato”.
“Ademais, como se trata de contrato internacional, cabe à espécie a
aplicação do Código de Bustamente, ou seja, da Convenção de Direito Internacional
Privado Dos Estados Americanos, firmada em Havana, na data de 1928 e promulgada
pelo Brasil em 13-8-1929 pelo Decreto nº 18.871, já que a mesma preceitua em seus
artigos, que seguem, a obediência do convencionado em contrato, como segue:
“Art. 166 – As obrigações que nascem dos contratos têm força de lei entre
as partes contratantes e devem cumprir-se segundo o teor dos mesmos, salvo as
limitações estabelecidas neste Código.
“Art. 318 – O juiz competente, em primeira instância, para conhecer dos
pleitos a que dê origem o exercício das ações cíveis e mercantis de qualquer espécie,
será aquele a quem os litigantes se submeterem expressa ou tacitamente, sempre que
um deles, pelo menos, seja nacional do Estado contratante a que o juiz pertença ou tenha
nele o seu domicilio e salvo o direito local em contrário.
“Art. 321 – Entender-se-á por submissão expressa a que for feita pelos
interessados com renúncia clara e determinante do seu foro próprio e a designação
precisa do juiz a quem se submetem.”

“Assim, pelo exposto, voto pela rejeição da preliminar e provimento do
agravo para reconhecer a ilegitimidade da justiça local para conhecer da ação, face o foro
eleito pelas partes”. (fls. 179/185).
É como voto.


DES. GUINTHER SPODE, Presidente – De acordo com o Relator.
DES. MÁRIO JOSÉ GOMES PEREIRA – A hipótese em exame envolve contrato
internacional impendendo que se examine da competência do juízo estatal e da legislação
que rege o caso concreto.

Na esfera do direito internacional privado cumpre analisar-se o conteúdo das
cláusulas referentes à escolha da lei e do foro do contrato, pois apesar de distintos, uma
tem implicação direta na outra.

Em decorrência da cláusula de eleição de foro, é estipulado o foro no qual
ser]ao apreciadas e julgadas eventuais controvérsias do contrato. As partes podem, a
princípio, livremente convencionarem esta cláusula, salvo eventuais limitações existentes
no ordenamento jurídico do foro eleito e também daquele das partes contratantes.
Difere da cláusula de eleição da lei aplicável ao contrato, através da qual é
convencionada a legislação a ser observada tanto pelas partes quanto pelo órgão
julgador. Além da limitação imposta pela ordem pública, há ordenamentos que
expressamente vedam a livre estipulação da lei aplicável ao contrato.
E em relação às cláusulas de eleição da lei, o art. 9º, caput, da Lei de
Introdução ao Código Civil, não contemplou, no direito pátrio, a autonomia da vontade
como elemento de conexão, impossibilitando que as partes livremente estipulem qual a lei
aplicável ao contrato internacional firmado pelas mesmas.

Esta distinção é de suma importância, pois, conforme salienta Nadia de
Araújo, apesar da influência que uma cláusula exerce na outra, ambas não se confundem:
“É preciso deixar bem claro que a cláusula de eleição de foro e de lei aplicável ao contrato
não se confundem. Pode-se escolher um determinado foro para discutir os litígios
advindos da relação contratual e naquele local utilizar-se a lei de um terceiro país no que
diz respeito às regras materiais concernentes ao contrato em questão. No entanto, a
redação e a escolha dessas cláusulas deve ser feita em conjunto, de modo que se o foro
escolhido proibir a autonomia da vontade, a cláusula de lei aplicável poderá ser invalidada
pelo juiz que estiver discutindo a questão em face de uma proibição da lei local. Dessa
forma, estão interligadas e as conseqüências de uma determinada escolha influi na outra
cláusula” ( A autonomia da vontade nos contratos internacionais –0 direito brasileiro e
países do Mercosul: Considerações sobre a necessidade de alterações no Direito
Internacional Privado Obrigacional do Bloco. Palestra proferida no Curso de
Especialização ‘O Novo Direito Internacional’ promovido pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, 16.07.1999, p. 7).

Assim também já se posicionava Arnoldo Wald acerca do tema, ao ressaltar
que embora as cláusulas de eleição de foro e de lei aplicável a um contrato sejam
distintas, devem ser analisadas conjuntamente: “Os dois problemas, embora
materialmente conexos, são distintos, importando a cláusula eletiva de foro na concessão
de uma competência contratual à Justiça de determinada cidade ou de certo país,
enquanto a escolha de lei estrangeira para firmar as conseqüências jurídicas do contrato
se fundamentam no princípio da autonomia da vontade e estabelece o regime jurídico
substantivo aplicável à relação jurídica. A primeira questão é puramente processual e se
apresenta tanto no plano nacional como internacional, sendo a segunda tipicamente de
direito internacional privado” (Validade das Convenções sobre foro de contrato. Estudos e
pareceres de Direito Comercial. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1972, p. 261).
Como visto e consoante os ensinamentos de Eduardo Espínola, “quando se
suscita balguma questão de direito internacional privado, o primeiro problema, que se
apresenta, é o da autoridade competente para o exame e decisão da controvérsia” e
superada a questão da competência do órgão julgador deverá este verificar qual a
legislação aplicável ao caso. A primeira questão a ser abordada é, portanto, a da
competência e validade da cláusula de eleição de foro para que, após, possa ser
analisado o disposto pelas partes no tocante à lei aplicável ao contrato firmado pelas
mesmas.

No caso em apreço, considera-se válido o pacto de eleição do foro e
também da lei a ser aplicada, qual seja, a da República Oriental do Uruguai.
E obrigacional a matéria, procede-se à verificação da validade à luz do
ordenamento jurídico do país em que se constituiu a obrigação, cabendo notar que a
resultante de contrato se reputa constituída no lugar em que residir o proponente (Lei de
Introdução ao Código Civil, art. 9º, caput e 2º).
Repita-se: O caso presente diz com a cláusula de lei aplicável aos contratos
e também com a eleição de foro para solver as controvérsias.
E no passo, há que se prestigiar o princípio da autonomia da vontade na
determinação do foro e da lei aplicável.
Na espécie, indeterminado o local da celebração dos contratos, deve
prevalecer o do proponente (ora agravante), qual seja, a República Oriental do Uruguai.
A hipótese repita-se, é de legislação e jurisdição uruguaia, sendo
incompetente a justiça local para conhecer e decidir as causas que aqui tramitam.
Por tais razões, manifesto-me pelo provimento do recurso de agravo.
Agravo de Instrumento n.º 70005228440, de PORTO ALEGRE - A decisão é a seguinte:
“DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME”.
Julgador(a) de 1º Grau: Leo Romi Pilau Junior.

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